05/01/2011

O Feijão e o Sonho

foto de Barbara Novaes



Mara Bergamaschi

A posse das oito[1] novas ministras de Dilma foi didática e interessante. Apesar de protocolar, este tipo de evento é também simbólico – por isso mesmo, revelador. Até de condutas estereotipadas – mas reais. Numa primeira comparação entre o que disseram os homens-ministros e o que disseram as mulheres-ministras surge uma sutil diferença: os homens foram todos afirmativos, anunciando projetos, metas e cifras ambiciosas. Alguns penderam para a grandiloquência, repetindo o batido “nunca antes” do ex-presidente Lula. Assim, soubemos que “o Brasil será o primeiro país tropical desenvolvido da história". Promessa é denominador comum entre homens? Parece que sim.
E as ministras? Mais feijão do que sonho. A fala de Iriny Lopes resume o que sobressaiu nos discursos das novatas. “Sou mineira, chego devagar. Melhor deixar um legado muito importante do que sair fazendo barulho e não conseguir fazer nada." Elas não foram evasivas, tocaram nas questões centrais de sua área, mas sempre com uma visão prática e realista. Iriny, que terá a missão de defender as mulheres, afirmou essa meta a partir de um exemplo do cotidiano. “Como vamos colocar as mulheres para trabalhar e serem autônomas se os filhos continuarem como tarefa exclusivamente feminina?” Sobre o aborto, foi cautelosa: disse que nenhuma mulher pode ser obrigada a ter um filho, mas deixou uma eventual iniciativa de mudança da lei para o Congresso. Discurso moderado também adotou a ministra da Igualdade Racial, Luiza de Bairros. Defendeu as cotas, mas sem imposição.
Até a mais poderosa das ministras, a do Planejamento, Miriam Belchior – que chorou e prestou homenagem ao ex-marido Celso Daniel, assassinado em 2002 – optou pela modéstia. Ela poderia ter recheado seu discurso com os bilhões do PAC sob sua administração, mas preferiu a economia doméstica, considerada outro ponto forte das mulheres. “É possível gastar com qualidade, fazer mais com menos”, reafirmou Miriam. Tereza Campello (Desenvolvimento Social), que já cuidava, como secretária-executiva, do Bolsa-Família, foi a única a acenar com benesses: disse que aumentará logo o valor do benefício. Talvez por estar no ministério há tempos, exagerou na apologia de suas realizações. Por fim, também mencionou o marido, Paulo Pereira, ex-tesoureiro do PT, como parte da “geração de homens orgulhosos de suas mulheres“.
Quem também prometeu austeridade no orçamento foi a ministra da Pesca, Ideli Salvati. “É um ministério bíblico, de multiplicar os peixes. Vamos ter que fazer o milagre de fazer mais com menos", disse. Ex-senadora, candidata derrotada ao governo de Santa Catarina, Ideli foi o tom dissonante da posse. Habituada à defesa intransigente do governo Lula, ela continua, mesmo sob nova direção, beligerante: disse que há “ignorância” sobre seu ministério e mandou os críticos “pescar”.
Jogo aberto - “Continuar não é repetir”, ensinaria Anna de Holanda, citando ninguém menos do que a chefe Dilma Rousseff. Autora do discurso de posse mais inspirado, a ministra da Cultura trouxe ao palco outra característica feminina: o gosto de discutir a relação. Desta vez, com a cultura. Disse que não quer “a casa arrumada pela metade”, que seu coração “bate pelos criadores” e prometeu atuar segundo os binômios “suavidade e firmeza” e “delicadeza e ousadia”. E concluiu: “Até aqui as pessoas têm consumido mais eletrodomésticos e menos cultura. Precisamos fazer o casamento da ascensão social com a ascensão cultural.” Para isso, apelou ao Congresso que conclua a votação do vale-cultura – um crédito de R$ 50,00 para este tipo de consumo destinado a trabalhadores que ganhem até cinco salários mínimos.
Coube à ministra de voz mansa, a deputada Maria do Rosário (Direitos Humanos), fazer a cobrança política mais contundente. Ela pediu ao Congresso que seja aprovada a criação da Comissão da Verdade sobre a ditadura, em tramitação desde maio passado. A comissão deve esclarecer os casos e identificar a autoria de torturas, mortes, desaparecimentos, ocultação de cadáveres. O assunto, que se relaciona diretamente com o passado da nova presidente, continua polêmico:o novo ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional (GSI), general José Elito Siqueira, já discordou. Na posse, disse que o “Brasil não deve olhar para trás”, pois isso seria “perda de tempo e não levaria a nada”.
No balanço geral, predominaram os ares da conciliação, exaltada pela presidente ao assumir o cargo. Isso foi percebido numa área que tem sido, segundo seus próprios interlocutores, “excepcionalmente tensa”: a comunicação do governo com a imprensa. Classificada como “jeitosa” por seu antecessor Franklin Martins, enquanto ele seria considerado “grosso”, a nova ministra, Helena Chagas, chegou avisando que não se discute liberdade de imprensa porque ela não está em questão. A pasta de Helena Chagas será certamente o termômetro da distensão.




[1] A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, foi reempossada: não houve, portanto, transmissão de cargo

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