20/11/2010

Flor de Cacto

Flor de Cactos - foto de Mara Bergamaschi




Flor de cacto, flor que se arrancou
À secura do chão.
Era aí o deserto, a pedra dura,
A sede e a solidão.
Sobre a palma de espinhos, triunfante,
Flor, ou coração?

José Saramago

14/11/2010

Simone e Virgínia: preciosas releituras

Simone em sua mesa de trabalho
Publicado no jornal Correio Braziliense em 23/10/2010
Virgínia em diferentes momentos
                  Elza Pires de Campos

“A Casa de Carlyle”, de Virginia Woolf, e “A Mulher Desiludida”, de Simone de Beauvoir, inauguram a coleção Fronteira,* da editora Nova fronteira, a preços acessíveis.
A meta é abrir espaço para clássicos e resgatar obras há tempos esgotadas.


Em “A Casa de Carlyle”, os seis contos foram escritos em 1909, recuperados depois de anos deixados em uma gaveta de uma jovem que datilografava os manuscritos da escritora. Vieram a público recentemente, em 2003. Preciosidade de uma Virgínia Woolf então com vinte e sete anos. Não por acaso, em um dos contos ela descreve, num texto curto e surpreendente, a cena banal de uma vara de família em que um casal se separa. Na Inglaterra vitoriana da época, em que as jovens da burguesia eram mães antes dos vinte, Virgínia ainda não decidira se casar.
Transgredia ganhando a vida dando aulas à noite para adultos, num período em que as mulheres, além de não trabalhar, não podiam votar ou frequentar universidades. Virgínia estudou em casa, na biblioteca do pai. Naquele ano recebera uma proposta de casamento. No último conto deste livro, “Vara de Família”, um homem e uma mulher, que se odeiam e se magoam profundamente, buscam a separação diante do juiz. No curto esboço de duas páginas, e nos demais seis contos, está resumido tudo o que interessa e vai interessar Virgínia pelas próximas décadas da sua vida de escritora. O eu e o nós, pensamentos e sensações, a sonoridade das frases, os olhares, as minúcias, tudo tão simples mas que diz tanto, como, por exemplo, o frio que corta ou a lama que entra pelos sapatos. Nestes seis fragmentos esquecidos e tão antigos é possível vislumbrar a Virgínia exploradora que foi da alma humana.
Já Simone de Beauvoir, em “A Mulher Desiludida”, solta em cena a loucura e o medo das suas personagens femininas. Em três contos distintos - um diário, um monólogo e um manuscrito -, o espaço da narrativa pertence a três mulheres. O que as entrelaça é que são todas desiludidas. A faixa etária está entre quarenta e cinqüenta anos, quando já estão no desalento de uma vida em que a juventude e a beleza lhes escapam, o amor não aconteceu, e provavelmente jamais aconteça, os filhos estão criados, o trabalho se repete e a profissão, onde a criatividade acabou, não dá o menor prazer .
Uma delas, militante política e professora, fez com que o filho seguisse seus passos profissionais. Projetava no garoto tudo que não fizera, até que ele cresce e passa a ter luz própria. Daí em diante ela, a mãe, delira e não consegue deixar que ele se vá. Insiste em continuar orientando, mandando, determinando o que o jovem, casado, deve fazer da sua vida. Sem perceber, torna-se infeliz e deixa mais infeliz ainda aquele a quem tanto ama. A outra personagem, do segundo conto, cultiva um monólogo para se esquecer das brigas diárias com a filha adolescente.
O terceiro conto, que dá nome ao livro, revela a mulher que, com medo de acabar com o longo casamento que já acabou, finge não se incomodar que o marido tenha uma amante. Convive com a situação e se violenta. Para desabafar, escreve um diário.
“Procurei transmitir aos meus leitores algumas experiências das quais participei de forma direta ou indireta”, explicou Simone na época do lançamento do livro, no início dos ano 70, ao lembrar que havia recebido confidências de várias mulheres, algumas abandonadas pelos maridos ou companheiros. Observara pontos em comum entre elas e resolveu reunir parte daquelas histórias em um livro.
Nos pormenores destas três histórias, salpicadas de fatos reais, Simone resgata um aforismo que a deixou famosa na década de sessenta, bandeira do hoje  já embolorado movimento feminista: “Não nascemos mulheres, nós nos tornamos". Boa frase para se lembrar no momento em que a campanha eleitoral fervilha em torno do aborto. Não custa nada acrescentar que as duas --Simone e Virgínia -- lutaram pelo direito de escolher ter ou não ter filhos, um dos temas que impulsionou o feminismo em passeatas, isto no mínimo há quatro décadas.
* já se encontram também disponíveis na mesma coleção Corpo de Baile de João Guimarães Rosa; A escrava que não é Isaura, de Mário de Andrade;A cinza das Horas, de Manuel Bandeira; Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues e Morte em Veneza de Thomaz Mann.